Por muito tempo tentei descobrir a receita para o texto perfeito. Acredite, eu procurei! Quando ainda estava na escola, minha professora de literatura usou o artigo de um autor que não lembro o nome e que foi publicado em algum jornal dos anos 2000 para nos ensinar a escrever dissertações. Por incrível que pareça, me lembro da introdução: “nem um homem é uma ilha”.
Esse texto ficou marcado na minha memória porque, depois de lê-lo umas dez vezes e argumentar com a professora outras dez, consegui ver a receita do texto argumentativo ideal. Sim, aquele texto era o exemplo perfeito de como deveríamos combinar as palavras (e isso não tem nada a ver com a referência ao poema de John Donne – não se deixe enganar).
Fabio Almeida disse que “saber fazer uma receita não é a mesma coisa que cozinhar”. E parafraseando essa introdução, entender o como não é a mesma coisa que saber reproduzir. Nesse ponto,
culinária e escrita tem muita coisa em comum
Se você pudesse dar uma volta na minha cozinha, iria se surpreender. Tudo o que tem nela já estava ali quando cheguei e nunca me ocorreu que poderia estar faltando alguma coisa. Não tem panela de pressão, não tem liquidificador e, confesso, até pensei que um forno viria bem (saudades de assar um pão de queijo congelado).
Acontece que essas coisas não fazem falta porque elas só têm serventia para quem sabe usar. E eu… eu mal sei fazer um omelete. Na verdade, conheço pouquíssimas pessoas que sabem cozinhar. Vamos falar a verdade, os realitys popularizam esse cômodo da casa, mas ninguém parou para aprender a cortar uma cebola.
As pessoas querem começar com o coq au vin, mas primeiro temos que aprender a matar a galinha. No meu caso, faz 15 anos que tento padronizar pequenos cubos de cebola e, ainda que eu consiga fazer três pratos comíveis, acredito que saber cozinhar é fazer maravilhas a partir do alho e do sal.
Dentro desse universo gourmetizado em que vivemos, muita gente pensa (equivocadamente) que colocar sazón no feijão prestigia o cozinheiro e que
usar palavras difíceis valoriza o escritor
Assim como nada supera arroz soltinho e feijão feito na hora, a receita para um bom texto começa com coerência e autenticidade (pronto). Luís Fernando Veríssimo, Antônio Prata e Tati Bernardi tem um jeitinho muito especial de temperar as palavras. Você prova um parágrafo e já sabe quem fez.
Nessa minha longa caminhada para criar um sabor com a minha cara, já usei muita receita. Desenvolver repertório, experimentar textos exóticos e trocar receitas com outros escritores estão entre as que mais gosto. Elas funcionam, a gente consegue acertar no sal, mas o que realmente faz a diferença é simples: prática.
Afinal, como uma pessoa pode estar há 15 anos desenvolvendo a arte de cortar cebolas? Fácil, sem praticar! A prática não leva a perfeição (é preciso destreza e força de vontade também), mas ela ajuda a chegar a um nível aceitável. Escrever é uma dessas coisas em que ficamos melhores simplesmente fazendo.
Hoje, escrevo todos os dias, textos dos mais diferentes assuntos. Nem tudo o que sai do forno está perfeito, mas acredito que está apresentável (tem muita gente consumindo). Pode ler que não machuca, às vezes até surpreende. Minhas expectativas são altas demais? Talvez. Escrevo como um Saramago? Sofri aprendendo pontuação (ele, no caso, genialmente desaprendeu), felizmente melhoramos um pouquinho a cada dia.
A receita para escrever melhor: leia muito, pratique mais ainda

James Wood diz que “a literatura nos torna melhores observadores da vida, podemos praticar na própria vida, o que, por sua vez, nos ajuda a ler melhor os detalhes na literatura, o que, por sua vez, nos ajuda a ler melhor a vida” (tradução livre).
Muitas vezes, a nossa falta de percepção é, simplesmente, porque ainda não lemos o suficiente para chegar a uma maturidade literária. Acredito que o mesmo vale para a maturidade como escritores. Felizmente, escrever é uma arte generosa e alcançável para todos nós (já escrevi sobre isso).
Não se engane, não tem atalho. É como aquele antigo texto que dizia “nenhum homem é uma ilha”. Foi preciso ler muitas vezes até chegar ao cerne da questão e perceber o que o autor estava querendo dizer. Me faltava maturidade literária, eu nunca tinha parado para ler um artigo argumentativo conscientemente (sim, isso faz diferença).
Já me desculpo (antes tarde do que nunca) por essa receita difícil e demorada. É como Chekhov disse, você só precisa fazer as perguntas certas (eu não tenho nenhuma receita ou delírio filosófico para te dar). Na dúvida, deixe o parfait para a sobremesa. Quer melhorar a sua escrita? Escreva. Uma palavra após a outra se vai ao longe (ou era ao texto?).
Obrigada por ler!
Espero que isso faça sentido para você e que você crie textos saborosíssimos sem medo de ser lido. Aproveite e assine o blog 😉
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